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14 de maio de 2011

pigeon crumbs


a nossa migalha pode ser
de melhor ou pior qualidade
que a do vizinho.
mas no fundo todos
comemos como pombos.
e calamos.

11 de março de 2011

perenidade

naquele espelho, oceano ténue,
olhou para a eternidade nos seus olhos
e lembrou-se de um poço que tinha visto em criança.
ajoelhou-se e raspou a dignidade nesse estreito fundo,
tremendo os dedos e limpando das unhas
apenas um céu de ternura e abismo.

lambeu de forma inútil as feridas que fizera nas rochas
e com as expectativas traídas incendiou o coração.

reza a história que chegou de mansinho e morreria tornado,
se na terra houvesse genuinamente respirado. 

26 de janeiro de 2011

um poema a Dahlia

abre a janela e deixa o chão bater-te na cabeça.
pum pum pum
livra, que já não podes ser livre em paz.

queres ter uma dor de cabeça?
porque não te deixam ter uma dor de cabeça?
deixa que a tua cabeça explôda.
mas sê livre.
não queres a merda dos comprimidos?
não queres prestar contas?
não queres fazer contas?
não faças. manda tudo à merda.
os comprimidos, as contas, os números,
as contas bancárias e a felicidade dos outros.

liberta-te desse jugo.
do jugo que te julga.
e que se julga.

teme. sim, teme por ti, e teme pelos outros.
a vida não te sorri: o Sol por vezes não aparece:
esconde-se por detrás das nuvens.

mas quando morreres, ele ainda cá estará,
e tu serás pó e uma lembrança daquilo que deste ao mundo.
para trás, deixarás os números, as contas,
os comprimidos e as dores de cabeça.
e serás livre.

a vida não te sorri:o Sol por vezes não aparece:
esconde-se por detrás das nuvens,
ou então é noite e tu não reparas.

25 de janeiro de 2011

João Habitualmente, A Criatura

Era uma criatura oca
vazia por fora
vazia por dentro
nem alta nem baixa
nem nova nem velha
de feitio brutal e forma barroca

Era tão oca
que nem o vento a enchia
nem a chuva a molhava
e o vento soprava e a chuva chovia
nada disso a movia

oca da cabeça aos pés
por cima e por baixo
de frente e de esguelha
oca de lés-a-lés
castanha cinzenta
e cinzenta castanha
nem o raio a tolhia
nem o sol a suava

Era uma criatura que se auto-devorava

comia a boca
com a sua própria boca
dava urros
aos seus próprios murros
deglutia as entranhas
e outras coisas tamanhas

era oca e bacoca
dum cinza metal
não tinha cabeça
porque a tinha no estômago
e tinha tijolos no lugar dos miolos
era oca e bestial
comendo com a própria boca
mesmo a parte mais oca
a oca vazia
mesmo essa comia
  
Certa bela manhã
saciada de si
saltou para as rua espalhando terrores
rompeu a roncar
largando vapores
comeu três poetas
e meia dúzia de artistas
comeu os livreiros e os alfarrabistas
pintou a manta e matou três pintores

Era uma criatura oca
tão oca e vazia
que todos olhavam e ninguém a via
tanto cirandou
que fez o que quis
roubou a princesa
comprou um polícia
e casou c'o juiz

Um dia
já de certa idade
subiu ao poder e comeu a cidade

in De minha máquina com teu corpo, Cadernos do Campo Alegre

6 de janeiro de 2011

Nuno Moura, Os livros de Hélice Fronteira, Regina Neri, Vasquinho Dasse, Ivo Longomel, Adraar Bous, Robes Rosa, Estevão Corte, Alexandre Singleton

Um livro de poesia dividido em vários capítulos, com correspondente número de personagens/pseudónimos: Hélice Fronteira "gosto das mesma palavras que tu"; Regina Neri "o  monstro do entrepernas"; Vasquinho Dasse "histórias muito pequenas e muito más"; Ivo Longomel "piudefule"; Adraar Bous "beauty contest talcum powder"; Robes Rosa "teatro para cães"; Estevão Corte "estudos sobre a sexta-feira 13"; Alexandre Singleton "relatório & contas". Pelos títulos dos vários "livros" que constituem este livro maior, podemos ver o toque de humor e ironia com que Nuno Moura discorre sobre variados assuntos. Predominando nalgumas passagens um estilo mais descritivo, noutras mais surreal, resulta no conjunto como uma obra urbana, contemporânea e musicalmente poética. 
Com primeira edição em 2000 pela Mariposa Azual (não sei se teve re-edição), foi resultado de uma bolsa que o autor confessa na contracapa que gostaria de voltar a receber: "É que passado três anos da 1ª Bolsa, já se pode concorrer outra vez. Mesmo sem ler o livro, o que é que você acha melhor?"
neste link podem ler um dos poemas incluído no livro, num estilo urbano-crítico-melódico, à semelhança das suas performances poéticas no duo Copo, onde faz parceria com Paulo Condessa.

21 de dezembro de 2010

# untitled - love #

adormece a leve sombra do teu abraço,
impressa na parede junto à margem.


seguro-te a cabeça num refúgio de sono
e penduro o teu beijo, logo acima do queixo.
no chão, quebradiças folhas de outono:
um amarelo acobreado no silêncio da calçada.


peço-te baixinho:
não digas nada,
que as águas do rio
soletrarão o nosso destino
n-a d-i-r-e-c-ç-ã-o d-o m-a-r.

20 de dezembro de 2010

Mohs e a sua escala

o poema mais científico que conheço, para avaliar do seu grau de dureza.

talco
gesso
calcite
fluorite
apatite
ortóclase
quartzo
topázio
corindo
diamante

sendo o sistema de saúde tendencialmente gratuito, esta escala é tendencialmente dura.

19 de dezembro de 2010

Nuno Moura: "A fluência de Magda - the new cochicho"

         destinatário alexandre o'neal:


um suicida deixou escrito
ando-me a vingar.


um mal despedido pediu
em tribunal só
que o deixassem ir buscar
as suas últimas coisas
o livro à descoberta de portugal
edição digest
e uma amostra de perfume carminho.


uma amante atrasou-se uma vez
e ele furioso casou com ela.


uma amante atrasou-se uma vez
e ele furioso foi logo divorciar-se.


favores de sangue borrado
dão enlatada na goela.


perante a lei romana do mercado
a igreja prepara agora os primeiros poetas digitais.


um pintor suicida deixou escrito numa pedra
se eu tivesse uma tela tamanho gêtrês
iam perceber.


um amigo dizia ao outro
caso com ela
mas é metade para cada um.


um senhor de idade diz
aceite um último gesto deste cavalheiro
e a senhora de idade responde
abafe-me então.


um comité analisa se as razões pelas quais
nos separamos
são as mesmas pelas quais nos juntamos.


deram mais um poeta
como incapacitado para sentir.


as montanhas azuis da austrália desbotaram
revelando em tamanho autedóre
os princípios originais do senhor não deverás.


não atropelarás não integrarás não passarás
não repugnarás
não te sairá pela culatra
não desmanches que é para mais tarde recordar
não procures água na lua
vai-te casar e está quieto
quem é teu amigo quem é


este trabalho estava inexplicavelmente assinado num canto
por comissão de festas do olimpo
(também se conseguiu saber que o grupo de cantares de
cabaréte
actua às sextas por cima do reino das dinamarquesas
toma nota)


a selecção nacional de poetas seniores continua a empatar
e a de esperanças a não apresentar soluções no ataque.


não é que parta isto tudo
mas reguila.


ps:
oeiras vai ter uma alameda dos poetas
no ano dois mil.
isso ri-te.

in Os livros de Hélice Fronteira, "gosto das mesmas palavras que tu" Mariposa Azual

16 de dezembro de 2010

encruzilhada

o fogo que nos dilacera por dentro.
a angústia, o fim, a calma que afaga os sentidos:
despojos lúcidos perdidos.
o âmago insolúvel e por vezes insondável do nada
que nos permite sermos nós próprios
a desistirmos daquilo em que acreditamos.


liberdade: olhos abertos sem algemas
e as mãos unidas, num punho fechado e ausente:
dedos encruzilhados entre a angústia e o fim.

17 de novembro de 2010

Alegre e Cavaco: A diferença de o ponto ser final.

Não.

Não estou.

Não estou muito.

Não estou muito Alegre.

Não estou muito Alegre com.

Não estou muito Alegre com este.

Não estou muito Alegre com este Cavaco.

30 de outubro de 2010

POEMA ENCLAUSURADO (SENSU LATU)

Faço um brinde:

aos autocratas tecnocratas burocratas pensocratas e idiocratas,
aos sociais e aos democratas, aos socratas e coelhatas,
aos revolucionários contra-revolucionários e reaccionários,
aos ramalhos que não dão cavaco às tropas,
aos empinocados e todos os engravatados que nos tomam por lorpas,
aos descapotáveis impermeáveis e afins,
aos permeáveis a pressões desmesuráveis e tchin-tchins,
à casa pia que pouco pia mas muito piou,
aos jornalistas que se acham a rainha do baile quando o baile já findou,
ao lino, ao pinho, ao amigo chavez que tem abraço de demo-crata e pinta de ditador,
e às chaves que não sobrevivem ao litoral, que vivem e morrem no interior,
às autarquias oligarquias e taquicardias,
aos palermas e paspalhos que poupam no horário mas que esbanjam no erário,
à magistratura a quem são cortados susbsídios,
aos pobres que não os recebem e que comem todos os dias com suicídios,
às fundações, institutos e seus chefes (im)polutos
às auto-estradas escutadas vigiadas e maltratadas,
às nacionais internacionais e assim assim,
aos futebolistas e suas cristas, às claques e tostas mistas.
à segurança, ao social, à segurança do social,
à mulher do segurança e ao orfão social,
a todos os orçamentos de estado,
que ou estão em mau estado ou nos deixam em mau estado,
a todos os que vivem com salários obscenos
e aos que vivem com menos
à construção do tgv e ao plano de reflorestamento que ninguém os vê
à inovação tecnológica que vai tirar da miséria dois milhões de pessoas
à distribuição dos fundos comunitários
(a maior parte dos inquiridos escolhem vermelho-ferrari com pisos rebaixados)
à subsidio-dependência, incongruência e desistência

a todos os dez milhões que não fazem nada
e ao palerma que se esqueceu de destrancar a porta de emergência
deste país à beira-mar enclausurado.